Jogadores compulsivos buscam apoio em grupos e tratamento para superar vício em apostas online

  • 19/12/2025
(Foto: Reprodução)
Pessoas com vício em jogos de aposta relatam procura por grupos de apoio. Quando tudo parece perdido, o que fazer? Quando o dinheiro se esgota, as mentiras se multiplicam e a saúde mental está por um fio. Quando todo o salário está comprometido com dívidas de jogos, cartões estourados, débitos com agiotas e ninguém a quem recorrer. Esse cenário extremo descreve a vida de boa parte dos jogadores compulsivos, dependentes de apostas online. O idoso Carlos (nome fictício) precisou chegar a esses limites para entender que estava doente e precisava de ajuda. Mesmo com dívidas se acumulando, não conseguia parar de jogar. Foi quando decidiu fazer algo difícil e que o deixava com muito receio e vergonha: conversar com os filhos. “A partir do momento que recorri a diversos setores e não encontrei solução, principalmente, buscar arranjar recurso emprestado, com pessoas, com financeiras, com bancos, não consegui mais angariar algum recurso pra cobrir àquela situação foi quando eu tive que abrir o jogo pra minha família que até então estava no anonimato”. Siga o canal do g1 Ceará no WhatsApp Ele conta que procurou na internet grupos de ajuda como o Alcoólicos Anônimos, mas com foco na ludopatia, o vício em jogos. Em Fortaleza, encontrou o Jogadores Anônimos e decidiu ir pela primeira vez. Foi o primeiro a chegar na reunião, ansioso, sem saber o que encontraria, mas decidido a dar o primeiro passo para superar o vício. “Se prejudicasse só a mim, já era uma situação, mas tá prejudicando outras pessoas, principalmente minha família, meus filhos, né, ficam preocupados comigo e tudo com medo de fazer uma besteira, chegar ao extremo”, conta. Jogadores Anônimos Jogadores compulsivos buscam apoio em grupos e tratamento para superar vício em apostas online. Reprodução/TV Verdes Mares Na capital cearense, o J.A (Jogadores Anônimos) possui cerca de 150 integrantes. São realizados três encontros por semana e qualquer pessoa que esteja enfrentando transtorno patológico de jogo é bem-vinda. “Nessa reunião de duas horas, a gente troca experiências de como o programa tá funcionando nas nossas vidas, de como a gente chegou até o Jogadores Anônimos, trabalha os doze passos, que é o que a nossa irmandade pede e assim a gente vem se recuperando a cada dia, o programa só pede 24 horas”, explica um dos coordenadores, um homem de 31 anos que pediu para ter a identidade preservada. LEIA TAMBÉM: Bets prometem dinheiro fácil, e propagandas preocupam especialistas Vício em apostas atinge milhões e se torna problema de saúde pública Ele conta que o formato de anonimato e partilha de vivências foi o que o atraiu. “Por dois anos e meio eu não conseguia parar de jogar e quando eu cheguei naquela sala de reunião, eu entendi que existiam pessoas com o mesmo problema que eu. Eu entendi que a gente tem uma doença compulsiva, mental e de natureza progressiva”, explica. “Ali eu me encontrei, eu entendi que tinham outras pessoas que estavam conseguindo se recuperar e, na troca de experiências, eu consegui ficar sem jogar durante seis meses como até hoje eu estou sem jogar”. Outro participante conta que está há quase três meses sem jogar. Viciado em apostas online, perdeu trabalho, bens e noivado por conta da compulsão. Quando decidiu ir ao J.A, não acreditava que existia saída. “Você chega, você fica ali no seu canto e a primeira coisa que você escuta é ‘você é a pessoa mais importante da reunião de hoje’. Meu irmão, como é que eu sou importante se eu minto, se eu manipulo, se eu faço um monte de coisa, né? A gente começa a escutar as partilhas das pessoas. Entender a dimensão do quão escuro e absurdo é esse vício, sabe? E aí, eu comecei a entender que não sou só eu.” Além de ouvir outros depoimentos, as rodas de conversa ajudam na adoção de medidas práticas para superar o transtorno. “Os mais experientes falam assim: ‘cara, vai começar? Vai ficar no programa? Fecha a torneira, não pede mais emprestado para ninguém, porque tu tem um teto ali de conta, vai trabalhar, vai pagando e algum dia isso vai acabar’”, explica o homem. Hoje, ele voltou a ter esperança. “Dívida, eu tenho aproximadamente ainda uns 80 mil. Mas negociei todas, até fevereiro, eu consigo terminar”, comemora, já que voltou a trabalhar. Ainda assim, continua em alerta. “Esses meus setenta dias são uma consequência de 24 horas, entendeu? Então, eu nem olho tanto pros setenta dias, eu olho pra hoje, as minhas 24 horas de hoje. Amanhã é outro dia e eu vou tá com esse mesmo pensamento de vencer o dia de amanhã.” Ajuda profissional de saúde Outro passo fundamental para pessoas com problemas de vício em bets é procurar ajuda de profissionais de saúde. Reprodução/TV Verdes Mares Outro passo fundamental é procurar ajuda de profissionais de saúde. O acompanhamento médico e terapêutico é essencial. “O tratamento, a gente tem como padrão-ouro, a psicoterapia e, mais especificamente, a abordagem da terapia cognitivo-comportamental. Vão ser refeitas algumas ideias distorcidas, alguns pensamentos distorcidos, o que a gente chama de reestruturação cognitiva. Vão ser discutidos alguns treinamentos, alguns exercícios pra tentar aumentar o controle e tentar diminuir essa sensação de busca, necessidade de busca de recompensa”, explica a psiquiatra Nayana Holanda, do ambulatório do Hospital de Saúde Mental de Messejana. A unidade oferece atendimento gratuito pelo Sistema Único de Saúde para jogadores compulsivos. “A gente oferta consultas em psiquiatria, ele vai ser avaliado pra ser dado um diagnóstico e ser feito uma programação terapêutica específica, seja com psicoterapia, seja com medicamentos”. A médica explica que “tem também psicólogo no serviço que pode dar esse apoio, a gente não consegue ofertar a psicoterapia individual, semanal, que é o ideal, mas a gente consegue fazer o acolhimento psicológico e eventualmente alguns encaminhamentos para a psicoterapia em serviços externos”. Ela explica que o encaminhamento para o ambulatório é feito através dos postos de saúde, pela Central de Regulação do Estado, mas também pode ser solicitado a partir de outros serviços externos, desde que haja encaminhamento médico. O psicólogo Magnum Freire explica que, nos consultórios, foca na prevenção de contingências. “Se eu for sair de casa, eu não levar o celular porque lá tá o aplicativo. Ou então desinstalar, colocar senha, limitar o volume do dinheiro disponível no banco. Pra isso também tem a questão também da psicoeducação”, exemplifica. Ferramenta de autoexclusão e teleatendimento Jogadores compulsivos buscam apoio em grupos e tratamento para superar vício em apostas online. Reprodução/TV Verdes Mares O Governo Federal vem desenvolvendo ferramentas para ajudar jogadores compulsivos a colocarem limites na dependência. “Pessoas que elas entenderem que estão tendo problemas relacionados aos jogos e apostas em meio digital, elas podem procurar e ser direcionadas para a plataforma de autoexclusão do Ministério da Fazenda”, explica Marcelo Kimati, diretor do Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde. A ferramenta permite ao cidadão bloquear seu acesso a todas as casas de apostas federais autorizadas por, no mínimo, um mês. Além disso, é possível acessar informações importantes sobre o tema e sobre unidades de atendimento. Segundo Kimati, a plataforma dá acesso a dois links que "vão direcionar essas pessoas pra outros endereços eletrônicos que são do Ministério da Saúde: um é ouvidoria do Ministério da Saúde e o segundo é o MEU SUS digital. Nesses dois ambientes, elas vão ter acesso à informações sobre problemas com jogos, como reduzir danos relacionados a jogos, onde procurar ajuda, onde ter acesso ao cuidado e, quando elas apontam o próprio endereço, elas têm acesso ao local de cuidado mais próximo do local onde elas estão”, esclarece. A expectativa é que, no futuro, serviços de atendimento possam ser disponibilizados de graça na internet. “Essa rede como um todo vai passar, a partir de agora, por um processo de qualificação. Vinte mil trabalhadores serão qualificados para fazer atendimentos pra pessoas que têm problemas com jogos. A rede de atenção psicossocial está incorporando uma série de atendimentos, teleatendimentos, que eles vão estar integrados à rede de atenção psicossocial”, garante Kimati. Para ele, a medida vai auxiliar pessoas que, muitas vezes, não conseguem procurar ajuda pessoalmente. “Muitas das pessoas que apresentam problemas relacionados aos jogos têm dificuldades de acesso à rede física por vários motivos. Muitas vezes essas pessoas passam boa parte do tempo em um ambiente virtual ou mesmo porque existe muito estigma relacionado a problemas com jogos". Segundo o Ministério da Saúde, o serviço de teleatendimento para jogadores compulsivos deve estar disponível a partir do início de 2026. Família e processo de recuperação Jogadores compulsivos recorrem a ajuda profissional para superar vício em apostas online. Reprodução/TV Verdes Mares Todos os especialistas são unânimes: na mesma medida em que a família sofre de forma intensa a dependência do seu ente querido, muitas vezes sendo impactada psicologicamente e financeiramente, é também imprescindível no processo de superação do transtorno do jogo. “É importante realmente a família estar próxima, tanto pra observar esse comportamento como pra apoiar a busca por ajuda, apoiar as estratégias de tratamento”, enfatiza Nayana. “É importante que a gente destaque que é um transtorno, é diminuir o estigma sobre ‘ah é uma irresponsabilidade, né, é uma falta de compromisso’. Porque realmente é uma doença, semelhante a dependências químicas, né, e aí essa pessoa, ela pode aumentar com vergonha de falar sobre isso”, explica a psiquiatra. Magnum reforça que, na prática terapêutica, é grande a diferença entre quem tem e quem não tem apoio familiar. “Teve gente que expulsou a pessoa de casa e não quer mais saber porque ela não acredita na recuperação daquela pessoa, então como é que aquela pessoa vai se tratar sabendo que a família colocou ela pra fora?” conta o psicólogo. “E teve caso em que a família se engajou, teve uma mudança de vida, foi até um alerta pra ‘opa, nós não estamos vivendo como família, nós deixamos o jogo, uma atração, o celular, tomar conta da nossa conversa, do dia a dia, das nossas dificuldades’ que a vida também é difícil. Mas é compartilhar esse sofrimento, essa vida difícil, que nos faz mais fortes também.” O apoio do marido, dos pais, do irmão e até dos primos foi o grande divisor de águas da jovem Claudia (nome fictício). Quando pensou em desistir depois de investir tudo o que tinha e perder em apostas online, decidiu contar para a família o que estava passando. “Isso danificou uma parte do meu casamento, minha relação familiar, dívidas, eu comecei a ter muitas crises de ansiedade, pensamentos suicidas, tanto que eu já fui parar em hospitais mais de duas vezes por conta disso.” Além de ajuda psicológica profissional, ela também participa dos Jogadores Anônimos. O marido vem buscar e deixar em todos os encontros. Também não foi um processo fácil para ele. “Foi bastante complicado, né, porque eu conversava com ela, eu perguntava as coisas dela, como tava a situação financeira dela, e ela dizia que tava tudo bem, que tava tudo certo”. Ainda assim, em nenhum momento ele deixou de ajudá-la. “Só os familiares que estão ali do lado dela, se a gente já não tivesse ali, ela não estaria mais aqui, né, porque quantas vezes ela falou em ceifar a própria vida, pra poder se livrar disso. Mas graças a Deus isso não aconteceu.” Foi o marido que entregou à jovem o chaveiro amarelo, símbolo de 30 dias de sobriedade dentro da irmandade. Agora o plano é que os pais entreguem o próximo, de 60 dias. “O chaveiro branco eu queria muito que minha mãe, meu irmão, meu pai, eles me entregassem. Todos os dias eles perguntam se eu tô bem, se aconteceu alguma coisa, se eu quero conversar e eu acho isso muito bacana, você ter assim um ambiente acolhedor porque isso é fundamental.” A escolha pela mudança também representa fôlego para quem está ao redor. “Já faz uns 35 dias, eu acho, mais ou menos, que ela tá sem jogar e já é um marco muito grande, né, pra quem jogava todo dia, dia e noite, madrugada”, conta o marido. “Eu tô vendo uma mudança também, tô vendo o J.A. realmente ajudando ela, realmente tá dando certo e eu vi que ela quer mudar de verdade, né.” A fé é outro caminho importante para quem está em recuperação. Para Carlos, o foco é o apoio dos filhos e a crença em Deus. “Eu espero que, primeiramente, o Ser Supremo, né, que eu sou uma pessoa religiosa, possa me honrar, nesse momento, que o Senhor me abençoe. E segundamente minha família, meus filhos que são a minha base”, finaliza o idoso. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará:

FONTE: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/12/19/jogadores-compulsivos-buscam-apoio-em-grupos-e-tratamento-para-superar-vicio-em-apostas-online.ghtml


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