Como foto de mãe que recebeu corpo do bebê em caixa de papelão expõe crise de saúde no Equador

  • 23/12/2025
(Foto: Reprodução)
Yawa Sumpa viajou três horas de ônibus com os restos mortais da filha, até a localidade de Taisha, no Equador Gentileza comunidade Kaiptach/BBC No dia 29 de novembro, Yawa Sumpa Puar Alexandra, da comunidade indígena equatoriana achuar, recebeu o corpo da sua bebê em uma caixa de papelão. A menina de apenas um mês de idade havia dado entrada na noite anterior no Hospital Geral de Macas, na província de Morona Santiago, na Amazônia equatoriana. Ela sofria de um problema respiratório e morreu em poucas horas. A equipe médica recomendou à mãe que providenciasse um caixão. Mas ela, sozinha, a centenas de quilômetros da sua comunidade e sem falar bem espanhol, estava totalmente desamparada. Ela saiu em busca de ajuda, mas não tinha dinheiro e precisou voltar ao hospital. Ali, ela encontrou o caixão improvisado. Ele precisou ser carregado primeiramente até o parque principal de Macas, de onde saem as vans e ônibus para a cidade de Taisha, que fica a três horas de viagem. De lá, saem pequenos aviões que se dirigem à região onde vive a sua comunidade. "Como é possível que eles a deixem viajar assim, com um bebê morto em uma caixa de papelão?", questionou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) um membro da comunidade achuar de Kaiptach, que ajudou inicialmente a mãe e tirou a fotografia que está no alto desta reportagem. "É doloroso ver a forma como os médicos nos tratam. É ultrajante e muito triste, pois somos seres humanos", lamenta ele. A municipalidade de Taisha foi quem finalmente ajudou a mãe, oferecendo um caixão e o voo de regresso para sua comunidade. "A família precisa trazer o caixão. O hospital não fornece. É assim em todo o país", conta à BBC o jornalista Christian Sánchez Mendieta, do jornal equatoriano El Mercurio. "Mas, na verdade, eles são encarregados de fazer os trâmites para pedir doação aos municípios ou às prefeituras. E, para isso, os hospitais têm um setor de assistência social." A equipe do jornal viajou para Morona Santiago em abril, depois que 10 crianças morreram de leptospirose, uma doença transmitida pelas fezes e pela urina de roedores, que costuma ter prognóstico favorável, quando o paciente é tratado com antibióticos. "São populações que têm costumes totalmente diferentes e moram em condições insalubres, mas sinto que existe uma espécie de racismo contra elas", afirma Sánchez Mendieta. A caixa de papelão, fechada com fita adesiva, com uma mensagem em espanhol: "Trate com cuidado." Gentileza da comunidade Kaiptach/BBC "Considerando a gravidade do fato, foram tomadas as medidas necessárias para impor sanções às pessoas envolvidas nesta irregularidade", informou o Ministério Público de Saúde do Equador, quando veio a público a foto da mãe e da caixa com o corpo da filha. A imagem registrada em Taisha levantou uma onda de indignação em todo o país e se transformou em um exemplo dramático de uma situação que ultrapassa as fronteiras da província de Morona Santiago: a crise da saúde pública equatoriana. Em 16 de novembro (13 dias antes da morte da menina em Macas), ocorreu uma consulta popular no Equador. O presidente Daniel Noboa apresentou quatro questões ao povo do país. As perguntas incluíam desde a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte até o retorno de bases militares estrangeiras ao Equador. A resposta foi "não". Google/BBC A derrota de Noboa foi inesperada, já que o presidente contava com 52,7% de popularidade entre os equatorianos, segundo uma pesquisa realizada em outubro pela empresa Cedatos. E, oito meses antes, ele conseguiu se reeleger no segundo turno, com mais de 55% dos votos. Outra surpresa foi uma das causas mencionadas no Equador para explicar a derrota: um país acostumado a falar quase exclusivamente das crises de segurança e das mortes violentas passou a mencionar a crise do setor de saúde. Tema político A falta de remédios e de todo tipo de material médico atingiu níveis críticos no final de setembro. O desabastecimento chegou a atingir até mesmo medicamentos considerados básicos, como a insulina, morfina, amoxicilina e produtos contra o câncer. A situação obrigou o governo Noboa a declarar estado de emergência no Instituto Equatoriano de Previdência Social (IESS, na sigla em espanhol — o organismo responsável por receber e administrar as contribuições dos trabalhadores do país para o sistema público) e no Ministério da Saúde. Somente nos últimos 20 meses, o país teve cinco ministros da Saúde. E, após esta rotação incomum, quem ocupa o cargo é a vice-presidente da República, María José Pinto. Uma das principais reclamações do presidente da Federação Nacional de Médicos do Equador, Santiago Carrasco, é exatamente a falta de liderança técnica e a má gestão derivada da falta de conhecimento do setor por parte dos seus dirigentes. A BBC News Mundo entrou em contato com a presidente da Comissão dos Direitos à Saúde e Esportes da Assembleia Nacional do Equador, Diana Blacio, do partido do governo, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem. "O orçamento da saúde sofreu reduções significativas", explica à BBC a congressista María Verónica Iñiguez Gallardo, da província de Loja, no sul do Equador. "De US$ 3,219 bilhões [cerca de R$ 18 bilhões], em 2023, o orçamento caiu para US$ 2,959 bilhões [R$ 16,5 bilhões] em 2024 e para US$ 2,798 bilhões [R$ 15,6 bilhões] em 2025", detalha ela. Dados do Banco Mundial indicam que, em 2021 e 2022, os recursos destinados à operação e manutenção do sistema sanitário equatoriano também foram reduzidos. Este orçamento inclui salários de funcionários, compra de medicamentos e insumos, serviços básicos como luz e água, manutenção de instalações e administração. Ou seja, apenas os custos do funcionamento diário dos hospitais, clínicas e programas de saúde, sem incluir grandes investimentos em novas instalações. Mas, para Iñiguez Gallardo, o mais alarmante é a gestão desses fundos. "Até julho de 2025, foram utilizados apenas 34,6% do orçamento, o que significa que os hospitais e centros de saúde operam com recursos mínimos", segundo ele. Estantes quase vazias A deputada pertence à Revolução Cidadã, o principal partido de oposição, liderado pelo ex-presidente Rafael Correa (2007-2017). "O desabastecimento de insumos e medicamentos é generalizado em todo o país", segundo ela. "Em setembro, os hospitais públicos relatavam um estoque de apenas 45% de medicamentos." Iñiguez Gallardo afirma que, por exemplo, nos hospitais Monte Sinai e do Guasmo (os dois maiores centros de saúde de Guayaquil, a capital econômica do país), a falta de insumos essenciais atingiu 80%. "Em outro hospital de Guayaquil, o Hospital Universitário, 18 recém-nascidos morreram depois de contraírem infecções associadas aos cuidados sanitários", ela conta. "Foi consequência da reutilização de cânulas contaminadas, um insumo que tem custo mínimo", de cerca de US$ 1 (R$ 5,60). Juan (nome fictício) é especialista do Hospital Geral Monte Sinai, que não deseja ser identificado. Ele descreve a precariedade do trabalho da instituição no último ano. "Uma pessoa que venha ser operada no hospital precisa trazer tudo", segundo Juan. "Faltam agulhas, cânulas, fios de sutura, anestésicos e analgésicos. Às vezes, não há nem mesmo algodão ou lençóis nas camas." "Temos atendimento 24 horas por dia, mas não há onde comer no hospital, pois as pessoas da cantina não recebem há meses." "Não podemos nem mesmo fazer análises de laboratório, como exames de sangue", conta ele à BBC News Mundo. "São serviços que praticamente não funcionam por falta de pagamento." "Como faltam muitos remédios, as famílias se veem obrigadas a recorrer a agiotas e pegar dinheiro emprestado com taxas de juros extremamente altas e abusivas", prossegue Juan. "Ou eles fazem isso, ou o familiar morre." "A crise de saúde se estende a toda a estrutura social. Vai muito além dos hospitais." A BBC News Mundo tentou entrar em contato com o Ministério da Saúde Pública pelos canais oficiais, mas também não recebeu resposta até a publicação desta reportagem. A promotoria equatoriana abriu uma investigação no Hospital Universitário de Guayaquil, após a morte de vários recém-nascidos em pouco tempo Getty Images/BBC Outros pacientes prejudicados pela atual escassez de medicamentos no Equador são os que necessitam de diálise ou sofrem de diabetes e precisam receber uma dose diária de insulina. Uma mobilização ocorrida em Guayaquil, no dia 28 de novembro, denunciou o desabastecimento de insulina. Diversas associações afirmam que a falta do medicamento se aprofunda desde 2023, afetando farmácias públicas e privadas. "Se você me perguntar como chegamos a esta situação, acredito que talvez se deva à má gestão do Estado no provisionamento das compras", explica a presidente da Fundação Diabetes Juvenil do Equador, Lucía Mantilla. "Os diabéticos precisam de insulina todos os dias", prossegue ela. "Não é algo que você possa tomar dia sim, dia não." "Atualmente, os membros da associação contam que precisam percorrer várias farmácias para encontrar uma ampola e, às vezes, a dividem por dois ou três dias." "Quando um paciente diabético não recebe a injeção de insulina, isso pode gerar altos índices de glicose, o que pode gerar cetoacidose", explica ela. "A cetoacidose exige intervenção hospitalar e o paciente, se não for atendido, pode entrar em coma diabético em casos extremos." Desde a pandemia Para vários especialistas consultados, a pandemia acelerou o colapso do sistema. A covid-19 atingiu Guayaquil com muita força. "Milhares de profissionais de saúde foram demitidos e vieram a público diversos casos de corrupção na compra de insumos médicos", conta Iñiguez Gallardo. "A pandemia teve grande impacto no Equador. Basta relembrar os caixões nas ruas", afirma o ex-especialista em saúde do Banco Mundial, Marcelo Bortman. "O país implementou um sistema que reservou os hospitais públicos para atender a covid e deixou para o setor privado os cuidados com as demais patologias", explica ele. Esta solução gerou a transferência de fundos dos serviços públicos para pagar a fatura das clínicas particulares. "Para que o sistema de saúde seja forte, é preciso ter recursos humanos adequados, estrutura e financiamento suficiente", explica Bortman. "Obviamente, os hospitais precisam ter equipamento e isso é cada vez mais caro, devido à tecnologia." A atual responsável pelo Ministério da Saúde do Equador é a vice-presidente da República, María José Pinto Getty Images/BBC "A maior parte do orçamento dos setores de saúde pelo mundo, em geral, se destina à operação, mas não há dinheiro para manutenção, nem melhorias. E, com o passar dos anos, se esses investimentos forem insuficientes, os serviços vão se deteriorando, bem como sua capacidade." Alta sem cirurgia O jornal El Mercurio noticiou recentemente a história de Féliz Aurelio Suqui, um paciente de 22 anos, que deu entrada há mais de 20 dias no Hospital José Carrasco Arteaga, na cidade de Cuenca, a terceira maior do país. Ele caiu de uma empilhadeira a 15 metros de altura, enquanto trabalhava. O relatório médico indica que ele sofreu, entre outras coisas, politraumatismo — muitos ossos quebrados, incluindo três vértebras. Suqui também teve colapso nos pulmões (pneumotórax) e está em estado grave. Mas, na falta do material necessário para a cirurgia, o hospital sugere dar alta ao paciente, para que ele espere em casa os insumos para a operação. O governo municipal de Taisha doou a Yawa Sumpa o dinheiro necessário para comprar o caixão da sua filha Foto cedida à BBC Se, nas cidades, a situação já é ruim, na zona rural é ainda pior. "Há muito poucos postos de assistência e de clínica geral na zona rural", descreve Sánchez Mendieta. "É preciso caminhar quatro horas pela floresta. São construções de madeira, que quase não têm os elementos básicos." Acrescente-se a isso que os médicos nas regiões remotas "quase sempre são recém-formados na universidade, em residência de um ano em medicina comunitária", explica Pablo Ponce, diretor do coletivo Violino Vermelho, uma associação que trabalha com comunidades indígenas no Equador. Ele vive com os achuar há cinco anos. "Mas é preciso ter médicos contratados, especialistas, um clínico geral e um pediatra", defende Ponce. "Nos postos de saúde da região, não há como fazer um exame de sangue. Não temos garantia de que haja eletricidade." Este sistema deixa a zona rural longe da região de distribuição de insumos e com falta de médicos especialistas. Foi esta situação que levou Yawa Sumpa a levar sua bebê ao hospital de Macas. E, quando acreditava que a assistência médica salvaria sua filha, ela encontrou um sistema em crise, que a deixou apenas com uma caixa de papelão nas mãos. Gráfico feito pela Equipe de Jornalismo Visual da BBC News Brasil. Cuba sofre com doenças transmitidas por mosquitos

FONTE: https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/12/23/como-foto-de-mae-que-recebeu-corpo-do-bebe-em-caixa-de-papelao-expoe-crise-de-saude-no-equador.ghtml


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