Construções sustentáveis: usar o que tem à mão é a essência das bioconstruções
22/09/2025
(Foto: Reprodução) A primeira reportagem da série sobre construção sustentável mostra a bio-construção
O Jornal Nacional apresenta, nesta semana, uma série especial de reportagens sobre sustentabilidade. Um tema central na COP 30, marcada para novembro, em Belém. Mas o foco é especificamente num setor que tem peso importante nas emissões de carbono: a construção. E a primeira reportagem mostra soluções com técnicas muito antigas.
A casa da gente é nosso pedacinho de chão... e é esse mesmo chão que guarda materiais de construção baratos, resistentes, fáceis de trabalhar... como a terra. Com água e areia vira parede, e se a obra for bem feita, dura, viu?
Uma do XVIII Foi restaurada, mas as paredes de taipa de pilão resistiram ao tempo... Se a gente tivesse “visão de raio-x”, enxergaria a terra compactada em camadas, sem a necessidade de uma estrutura metálica. Uma técnica milenar!
Em tempos de mudanças climáticas, não dá para falar em arquitetura do futuro sem voltar ao passado.
A psicóloga Lia Albejante quis contornos contemporâneos no jeito ancestral de construir. Ela diz que a vontade de sair da capital para o interior teve a ver com a história dela, que nasceu na Amazônia.
"Eu sempre tive vontade de voltar para a natureza. A escolha da taipa de pilão já é uma primeira conexão com o terreno, com a terra que me receberia aqui, né?"
Depois de atravessar as estações do ano na casa nova, está certa de que nossos antepassados sabiam o que estavam fazendo quando construíram com terra.
"Ela isola a temperatura. Então se está muito frio lá fora aqui está menos frio, se está muito calor lá fora aqui dentro está menos."
E sem a ameaça do barbeiro, o inseto que transmite a doença de Chagas. Lá a taipa foi bem feita, sem buracos ou rachaduras, num ambiente ventilado e iluminado. Dá para ver direitinho as camadas que formam a parede.
"A forma ela, ela é aqui ó, essa linha aqui. Pega duas. E vai compactando. Aí, traz mais uma camada da forma, né, de madeira. E vai preenchendo."
As formas de madeira viraram bancada da cozinha. A parede dos fundos da casa é também o muro de arrimo.
"E aí essas pedras, uma parte foi trazida de fora, mas grande parte foi do próprio corte do terreno. Então, a gente decidiu fazer a contenção já sendo uma parede da casa".
Usar o que tem à mão é a essência das bioconstruções. Uma planta que atravessou séculos porque é resistente, versátil, cresce rápido, se regenera fácil e ainda sequestra carbono da atmosfera: por tudo isso os arquitetos consideram o bambu um material de alta tecnologia.
Para quem procura resgatar conhecimentos antigos. Para quem procura no passado construções com vista para o futuro.
A construção de bambu fica no meio da mata da região serrana do Rio de Janeiro, dentro de um instituto que ensina quem quer construir "fora da caixa".
"Bio arquitetura é um jeito de construir sem destruir. Então, a gente sempre fala de técnicas de alto impacto: alto impacto social, alto impacto cultural e o baixo impacto ambiental", comenta Aga Probala, codiretora do Instituto Tibá.
Pés na massa!
"Aqui a gente está preparando uma massa plástica para poder começar a produção de tijolos de terra crua, que é chamado de Adobe. A gente precisa atingir a umidade ideal e o ponto ideal da massa que é um traço mais assim cremoso, né? De purê", diz Caio Martins, bio arquiteto e professor do Instituto Tibá.
O Caio ensina que os tijolos secam naturalmente, não vão para o forno. Ele é arquiteto e já foi aluno no instituto. Hoje, dá aulas para pessoas das mais diferentes áreas, como o Victor, engenheiro florestal que quer construir no litoral da Bahia.
"Onde a gente mora não tem tanta mão de obra assim. A ideia é que a gente mesmo coloque a mão na massa", comenta Victor Kelechi Emenekwum, engenheiro florestal.
Falta mão de obra especializada e conhecimento que não se ensina nas faculdades. Por isso que a arquiteta Glaucia está aqui.
"A gente está o que que está disponível, né?", pontua Glaucia Maia de Oliveira, arquiteta.
Uma volta pelo espaço com o diretor do instituto mostra que opções não faltam. Camuflado pelo telhado verde, o chalé para hóspedes é um mostruário!
"Aí, a gente tem esse deck de pinbu, que são ripas de bambu gigante. E isso é uma técnica que chama de salsichas de terra. É tipo uma terra líquida ensacada. Aqui a gente tem piso de terra, reboco de terra. Os adobes pintado com cal branco. Essa parede aqui é pau a pique ou bambu a pique. E aqui é o revestimento polido, manualmente fechando os poros, então ele é bem liso", diz Marc Van Lengen, diretor do Instituto Tibá.
O Marc diz que um projeto de bioconstrução custa, em média, 10% mais caro que o convencional, porque é muito artesanal. Desde o corte do bambu, passando pelo trançado da estrutura da parede de taipa de mão... até preencher cada vão com barro... tudo é feito à mão.
Voltar no tempo também foi a proposta dos fundadores de uma ecovila, no interior de São Paulo. Eles recuperaram a floresta desmatada 25 anos atrás, e as construções têm regras.
"Tem um limite de cimento, um limite de madeira para usar, não pode fazer de qualquer jeito", comenta Edson Hiroshi, fundador da Ecovila Clareando, em Piracaia, SP.
O resultado são construções criativas, divertidas até! A casa do Luc copia um projeto já testado na natureza.
"A gente usa areia, o feno, esterco, pedrisco, pó de pedra e a terra. E aí vai pegando as bolotinhas e modelando as paredes. É a mesma técnica do joão-de-barro, que ele faz redondinho e vai colocando e modelando", afirma Luciano Pereira da Silva, o Luc Bambu, bioconstrutor.
O nome dessa técnica é cob, e não é a única que permite dar forma aos sonhos.
"Na verdade, eu tinha a ideia de vir para cá para construir uma casa redonda", comenta Taíse Motta, pesquisadora.
E foi assim que a Taíse ouviu pela primeira vez a palavra superadobe: um método que viabilizaria as paredes redondas!
Repórter: Essa parede que a gente tá vendo aqui é superadobe?
Taise: Sim.
Repórter: Então é feita basicamente de terra...
Taise: Terra e bobina de ráfia. E aí a terra vai dentro dessa bobina e ela é socada e é colocada em forma de fiada.
Repórter: Umidade?"
Taise: Umidade não existe, porque ela é impermeabilizada.
Repórter: Segura?
Taise: 100%.
Repórter: Vamos lá, vamos conhecer a casa da Taíse por dentro. Aqui é a sala, e a cúpula faz parte da sala também, né?
Taise: É um quarto da laranja.
Repórter: E dá para ver que não tem uma rachadura, não tem uma infiltração...
Taise: Não tem nada. Isso aqui é 100% terra pilada.
Repórter: Qual a manutenção que dá?
Taise: Nenhuma. Quando é bem feito, nenhuma.
Ainda não tem por aqui casas 100% bioconstrução. Mas o fundador da ecovila diz que é um caminho sem volta.
"Quanto mais casa de bioconstrução tiver, menos cimento vai usar, menos madeira amazônica vai usar, e menos ferro que demanda muito carbono para produzir. Cada passo que der nessa direção o planeta agradece", diz Hiroshi.
Construções sustentáveis: usar o que tem à mão é a essência das bioconstruções
Reprodução/TV Globo